Catadora de recicláveis que virou influenciadora conta o lado bom e os problemas da profissão

Katherine Bittencourt: entre os recicláveis e as redes sociais. Foto: Tami Taketani/Plural

Dona de um perfil com meio milhão de seguidores, Katherine Bittencourt conta por que os catadores de rua sofrem mais do que aqueles que trabalham em barracões

Katherine Bittencourt é uma diva das redes sociais. Seu perfil no Instagram, o Papel e Moeda, tem mais de meio milhão de seguidores. Lá, ela mostra seu dia a dia como catadora de materiais recicláveis no Sítio Cercado, bairro da zona sul de Curitiba.

Os vídeos revelam os “tesouros” encontrados em sacos de lixo – como roupas, sapato e até eletrônicos – e mostram a realidade do barracão do EcoCidadão onde ela trabalha.

Neste vídeo produzido especialmente para o Periferias Plurais, Katherine fala sobre as dificuldades da profissão e também sobre o orgulho que sente por ser uma “heroína do meio ambiente”.

E principalmente explica por que os catadores de rua, que não têm acesso aos barracões, têm uma vida muitas vezes mais difícil do que a dela. Abaixo, você encontra a transcrição do texto.

Ser um catador de papel em Curitiba é uma das coisas mais difíceis que existe, mas também uma das mais lindas. Porque existem dois grupos de pessoas. Um se importa com os catadores e tira todo o material cortante, contaminante, infectante do material reciclável para que os catadores não se machuquem. E tem aquele grupo de pessoas que joga caco de vidro solto, agulha solta, gilete solta, materiais infectastes, cartelas de remédio, tudo misturado, entre o material reciclável e o lixo comum.

Ser um catador de papel apesar de ser uma profissão muito linda, porque os catadores são heróis ambientais, limpam a cidade, recolhem todo o material possível, impedem que as pessoas sofram com enchentes e poluição, porque eles entram até em bueiro para pegar o que até ali. Essa é a parte incrível.

Todas as garrafas plásticas aqui da associação por exemplo viram mesas, cadeiras bancos. E isso começa com os catadores. Se eles não reciclam esses materiais as pessoas não têm as coisas dentro de casa.

Mas apesar de serem heróis ambientais sofrem muito preconceitos na rua. São chamados de lixeiros, dizem que os catadores comem do lixo, muita gente se irrita com os carrinhos na rua. Pessoas que estão com pressa, que estão atrasadas para o trabalho, que não têm paciência que xingam o catador, buzinam. Então o catador recebe humilhação diária de muita gente em Curitiba.

Claro que existem muitas pessoas boas. Mas grande parte da população de Curitiba não tem muita paciência com os catadores.

Existem dois grupos de catadores. Os catadores de associações, que ficam dentro de um barracão e os caminhões da coleta seletiva da prefeitura leva material reciclável pra eles, então eles não precisam ir pra rua.

E tem os catadores de rua, que disputam com o caminhão. Se o caminhão passa às sete da manhã ele tem que levantar às seis para pegar o material antes do caminhão, porque senão ele fica sem renda.

O catador de rua vende o material por dia. Ou seja, vende o material de manhã para conseguir 50 reais até a tarde. Os de associação tiram de mil a cinco mil reais por mês. Eles acumulam o material nesses fardos gigantes o mês inteiro e aí vendem mensalmente.

Eu sou catadora de rua e de barracão. Isso significa que além de pegar material no barracão eu tenho pontos fixos na rua: condomínios, lojas, pontos que eu tinha desde que catava só na rua.

E eu posso afirmar cem por cento que os de rua são os catadores que sofrem mais em Curitiba. Porque além de ter que disputar como caminhão e de ter que vender o material para ganhar no máximo R$ 50 por dia, eles ainda enfrentam o sol forte na cabeça, a chuva, o preconceito que é o triplo, o quádruplo de quem está numa associação e também corre mais risco de se machucar, porque ele é o primeiro a colocar a mão na lixeira para levar o material para o carrinho. No caso dos catadores de associação, o material passa primeiro pelo caminhão da coleta, pela mão dos coletores e aí chega na nossa mão. Apesar de a gente se cortar, se machucar, o nosso trabalho é menos perigoso.

Ser um catador de papel em Curitiba tem muitas dificuldades. Uma das maiores é que as pessoas que trabalham numa associação têm benefícios como cesta básica, vale alimentação. Os catadores de rua não têm esse benefício. Como eles não pagam o INSS, deles não têm direito ao vale-alimentação da Prefeitura. Ou seja, se o catador é de rua e está passando fome, não tem direito ao vale. Os catadores do barracão, como pagam o INSS, têm direito a um valor x por mês para fazer compras no Mercadão de Família. O que eu acho de certa forma no meu coração que não é justo, porque catador é tudo igual.

Muitas empresas doam cobertores, brinquedos, sapatos, comida para as associações. Nós também temos uma cobertura, ficamos protegidos do sol, da chuva.

E o único motivo para um catador de rua não entrar no barracão são as regras. Pra gente de associação existem milhões de regras. A gente tem que seguir um padrão, e o catador de rua quer ter liberdade.

Além das regras, os catadores de associações também têm horários para entrar e sair. Os catadores de rua andam livremente pela cidade. Muitos deles têm filhos na creche ou na escola, não conseguem estipular um horário fixo. “Eu vou entrar no barracão às sete da manhã e sair às 17h”. Muitos deles não têm essa condição, não têm quem cuide das crianças. Então eles preferem trabalhar na rua pela liberdade. Tem menos regras.

Creche em Curitiba é uma das piores coisas pra se conseguir. A gente está tentando faz dois anos para a nossa menor.

É gritante a diferença. A gente vê que as pessoas dão muita prioridade para os barracões e pouca para os catadores de rua.

Como eu mencionei antes, eu acho que devia ser igual para todos. Os catadores de rua deveriam ter os mesmos benefícios dos catadores de associação. Catador é tudo igual. Independente de trabalhar numa associação ou na rua. É tudo humano. Todos merecem esses benefícios, merecem ter o que comer, ter calçados pro filho. Todo mundo deveria ter o básico, que é comida, roupa e calçado.

Então, ser um catador em Curitiba tem suas partes boas, porque você ganha muitas coisas. Você tem de tudo.

Mas tem as partes ruins, como o cansaço, a perda, a dor. Muitos catadores têm as costas machucadas, as pernas machucadas pelo peso do carrinho, que chega a 100, 200, 400 quilos.

A gente acha muita coisa, ganha muita coisa, é um universo muito legal. E a gente está ajudando o meio ambiente.

Mas também é um trabalho muito pesado, que existe muito esforço físico, muito foco e muita determinação. O bom de Curitiba são os moradores. E o ruim muitas vezes também ser os moradores. Pode ser bom, pode ser ruim, depende muito do ponto de vista.

Eu gravo vídeos pra Internet e eu vejo muita gente dizendo: “Ah, quando crescer eu quero ser catadora, meu sonho é ser catadora”. Isso pela quantidade de coisas que a gente acha no material. Porque a gente acha muita coisa, coisa nova, lacrada, tevê, videogame, celulares. Mas a gente também pega bicho morto, pega caco de vidro, gilete, papel higiênico sujo.

Os catadores de papel todos desse Brasil merecem milhões de aplausos porque o trabalho deles além de ser essencial é um trabalho lindo que merece todo o reconhecimento. E eu espero que um dia a gente tenha esse reconhecimento. Porque é foda.

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